Desde cedo, ouvimos dizer que trabalhar nos torna mais fortes, saudáveis e independentes. Que trabalhar é uma honra e dá-nos honra. A geração anterior à nossa interpreta o conceito de trabalho de uma forma muito diferente: é um instrumento para sobreviver, acima de tudo. Não há cá burnouts, propósito ou missão e, muito menos, alegria no trabalho. Trabalho serve para colocar as contas na mesa e, eventualmente, de acordo com as profissões ou carreiras, ajudar a consolidar o nosso nome.
Depois chega a nossa geração (pessoas nascidas a partir de 1970), é disponibilizado um maior e mais fácil acesso ao ensino superior, e começam a surgir novos conceitos: vocação, talento, preferências, satisfação e realização profissional. Começamos a encarar aquela atividade que nos paga as contas e nos permite pôr comida na mesa com uma dedicação mais intensa, de forma tal que é fácil diluir o nosso eu profissional e o nosso eu pessoal.
Continua, contudo, presente uma tendência de acharmos que trabalhar muito faz de nós melhores pessoas e melhores profissionais. Somos cada vez mais exigentes com o nosso percurso e, simultaneamente, menos tolerantes com o ócio, com um ritmo lento de vida.
Stefan Sagmeister, designer austríaco radicado em Nova Iorque, é um dos meus criativos preferidos. Devem lembrar-se de uma exposição que teve lugar no Maat em 2018 chamada The Happy Show. Eu gostei especialmente não só porque havia uma overdose de amarelo, mas porque acompanhava o trabalho de Sagmeister há alguns anos. O The Happy Show veio no seguimento de um documentário que ele fez sobre a felicidade chamado The Happy Film. E o The Happy Film foi possível porque este nosso amigo tirou um ano sabático para se dedicar a projectos pessoais. Tau! De sete em sete anos, ele tira um ano inteiro apenas para se focar nos seus interesses. Ele contou como geria este processo numa Ted Talk super famosa, The Power of Time Off. Podem clicar que não vos faz mal nenhum. Naturalmente, ele não fica sentado a olhar para a parede, dedica-se a projectos pessoais e foca-se nos seus interesses. O que mais me fascinou nesta palestra foi a seguinte conclusão: o trabalho que é criado nesse ano sabático traz sangue fresco à vida dele e uma nova criatividade, conjunto de competências novas e novos projectos à empresa quando regressa após um ano.
Como nem todos temos forma de sobreviver um ano longe dos nossos trabalhos ou actividades profissionais – e muito poucas empresas portuguesas proporcionam licenças sem vencimento aos seus funcionários, podemos fazer uma versão low-cost de um ano sabático: um dia sabático. Eu costumo tirar um de 6 em 6 meses.
Aprendi que temos de seguir alguma estrutura. Ficariam espantados se soubessem o quanto é fácil desperdiçar um dia sem fazer nada. O que também é necessário, mas esse artigo fica para outras núpcias. Costumo seguir alguns passos:
- Arrumar a vida
Gosto sempre de ter um pouco de trabalho e de arrumações neste dia. Por natureza, tenho a tendência para apenas conseguir divertir-me, relaxar ou dedicar-me ao lazer quando não tenho nada pendente. No ano passado, passei a manhã inteira do meu primeiro dia de férias a limpar a caixa de e-mail pessoal e consegui chegar a inbox zero pela primeira vez em 6 anos. Senti-me profundamente aliviada e, acreditem ou não, realizada. - Ter uma masterlist de temas culturais/intelectuais/criativos e riscá-la nesse dia
Para além da to-do list normal do dia-a-dia, é boa ideia manter uma masterlist criativa que vais preenchendo com artigos que queres ler com tempo e atençao, Ted Talks que queres ouvir mas que ainda não conseguiste, revistas que compraste com tanto carinho e ainda nem abriste. Dedica algumas horas apenas a riscar esses itens. Se lá os puseste, é porque eram importantes. Se olhares para eles e não te suscitarem grande interesse, apaga e passa ao próximo. - Ler livros
Eu sinto que desenvolvi algum défice de atenção nos últimos tempos porque não estou a ler tantos livros comodeviagostaria. Acabo por ler mais a nível digital e os livros vão ficando empilhados na mesa de cabeceira. É bom tirar uma ou duas horas, sem telemóvel por perto de preferência para ler uns capítulos de um livro que tenhas escolhido. Eu leio sempre simultaneamente não-ficção (alimenta-me o cérebro) e ficção (alimenta-me o coração). Neste momento, estou com O Filho de Mil Homens, do Valter Hugo Mãe e com o Becoming, da Michelle Obama. - Dedicar tempo a algum projecto pessoal
Alguma coisa que esteja pendurada há algum tempo, como esteve o Yellow três anos. Ou algum passatempo. Ou algum interesse artístico. Se for algo longe do computador, melhor ainda. Os olhos precisam de algum descanso. - Passar tempo na rua
Quando estamos a trabalhar, ficamos encurralados numa série de rotinas: vemos as mesmas pessoas, fazemos o mesmo caminho para o trabalho, lavamos os dentes com a mesma mão e usamos provavelmente o mesmo tipo de roupa.
Imagina teres a liberdade de, mesmo num dia de semana, ires almoçar a um restaurante que sempre quiseste conhecer (e que aos fins-de-semana está abarrotado), passeares em ruas pouco invadidas por turistas ou simplesmente desfrutares da cidade – tudo isto dar-te-á um sentido acrescido de liberdade.
Tirar um dia para alimentar a criatividade dá-nos fôlego para várias semanas de trabalho mais inspirado e motivado. Ajuda-nos a recarregar baterias sem termos de tirar férias a sério e areja a nossa vida. Ficamos mais bem posicionados em termos de interesses, ficamos mais atualizados culturalmente e dá-nos um pouco de tempo pessoal, de que tanto necessitamos.
Já sabes quando vais tirar o teu dia sabático?